sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

Conto de Serena e Moreno.

Obs.: Conto para ser acompanhado da música: "Canção para você viver mais - Pato Fu."

Dizem que a Praça de São Miguel é mágica, lá tudo que começa não tem fim, e tudo que tem fim se eterniza.

Imaginem que noite perfeita, na pracinha de São Miguel, dia que as estrelas desciam para os banquinhos sem encosto pra mode prosear e espalhar fofoquinhas brilosas, lugar em que a grama podia sussurrar junto ao vento de brisa calma, as lâmpadas eram arredondadas, como capacetes de astronautas destemidos, brilhavam iluminando três ou quatro gatos esfarrapados que faziam suas serenatas melodramáticas, o chão de pedrinhas bem encaixadas, umas azuis outras brancas desbotadas. Lugar belo, era um lugar belo, onde Serena, moçinha das três ruas acima, e Moreno, mocinho que de moreno não tinha nadica, se conheceram.

Havia melodia calma pra se lembrarem do momento, fazia um tempo tranqüilo, pra ambos viverem mais. Juntos, tudo desaparecia e tudo se juntava, ele a tocava como nunca tocou ninguém e ela lhe olhava como se nunca houvesse tempo em que não se conheciam.

Arrepios subiam e desciam com tamanha virtude presente ali. Com intimidade que só existia naquelas histórias de tal gêmea. Coisa de filme. Estacionaram no olhar e nas verdades que saiam como mantras de leveza.

Os pequenos segundos eram deles ou eles pertenciam ao tempo?

Pena, pena mesmo foi a Dona lua sentir inveja das grandes, lá na Praça de São Miguel. Sozinha todas as noites frias, quentes e chuvosas, ela se sentiu fraca, e então uma raiva que não se sabe de onde saiu, se jogou sobre o casal mais formoso da Pracinha.

Disse eu:

“- Dona lua, nunca pensou que sua senhorita sempre teve companhia de suas estrelinhas, porque maldade desse tamanho?”

“- Meu amor, nunca conheci, meu amor chega quando estou no fim. Oras, pois me diga seu locutor, em noite de São João, porque eu aceito isto logo então?”

“- Dona, você é majestosa, mas se fala do Senhor sol, seu amor, culpa não tem ninguém da atrocidade do destino em separar-lhes, não concordas?”

E Dona lua nunca respondia, amaldiçoou ainda assim Sereninha e Moreninho, diminutivo porque a partir da noite de São João, tive pena, pena deles.

Moreninho morreria mais ou menos em meados de maio.

E um dia chegou, o menininho sentiu as dores implantadas pelas dores da Lua, e Sereninha o ouviu dizer:

“- Não é por mal, amor meu, mas hoje vou te fazer chorar.”

Quando ela, pobrezinha, soube. Perdeu chão, céu e o além.

Ficou perdida, “como uma coisa dessas podia acontecer?”. Seu singelo amor morreria, não, “NÃOOOOO!”. Houve choro e grito por distâncias impensáveis. Metade de serenidade partiria, a outra metade deixara de viver, não podia estar acontecendo. As estrelinhas, os gatos, a grama e o vento da Praça de São Miguel silenciaram, perderam a graça. Pareceu até coisa de imaginação de criança.

O que restou ao casal? Sobrou deixar que tudo desaparecesse, e perto do fim, o amor ainda estava lá, creio eu, que estará mesmo depois dele. E como em mente de criança tudo é meio que um cadinho de impossibilidades que se realizam, torci pra que Moreno se salvasse.

Alguns meses de cumplicidade passaram, como um livro que gostamos de ler e que acaba rápido, entende? Voou em ásperos minutos.

Serena, com toda sua sinceridade em sentimento, pra tentar salvar seu Moreno, fez com toda aquela situação, uma canção. Uma canção pra ele viver mais.

“Faz um tempo eu quis, fazer uma canção, pra você viver mais, meu amor.” Moreninho sorriu.

Com os primeiros versos, ele se encheu de vida, mesmo quando perto de maio, se definhava.

E foi ouvindo a canção, que Dona lua, percebeu, estava errada, afinal até a Senhora do céu estrelado pode errar, eles não tinham culpa de nada e daquele amor ela sempre ia se lembrar, tocaram seu coração. Tirou a praga de Moreninho, tentou lhe soprar vida, mas... De nada adiantou... Dona lua se arrependeu quando já era maio.

Moreninho morreu mais ou menos na metade de maio.

Culpa, era esse o nome do que a Lua sentia ouvindo as orações de Sereninha. E na última oração, quando ela desejou estar junto de seu moreno mais que tudo, foi quando a dona dos céus não agüentou, tinha de fazer algo, e depois de um acordo com outros Deuses do céu, transformou a boa alma de Moreninho em estrelinha. Era o que podia fazer.

Serena, claro, sempre ia à Praça de São Miguel, poder se lembrar de cada momento, só não sabia que dessa vez, o seu amor estaria lá. Moreninho sentado no banquinho sem encosto, tão lindo quanto sempre foi, e ele estava ali, “sonho meu, delírio pra se somar?”, não era miragem, era real, mais brilhoso do que qualquer outro brilho. Eles se eternizaram dali em diante.

Essa é a história de Dona lua pra sempre se lembrar, de Sereninha e Moreninho, daqueles que o amor supera tudo. E até hoje, quando se presta atenção, você pode ouvir nos ventos a canção de Sereninha, fazendo com que Moreninho viva mais.

Antônio Victor V. Ramos.

Texto inspirado na música de Pato Fu.

domingo, 22 de março de 2015

Carinho e respeito.

Ele era do tipo que se preocupava com expressões, se não podia estar perto analisaria fotos para entender se aquele sorriso era sincero ou se era mero fingimento de um dia qualquer. E essa sua preocupação as vezes passava despercebida, afinal, ninguém queria saber mais a respeito.
Durante algum tempo ele tentou controlar e também foi sufocado, numa espécie de relacionamento onde a palavra amor era constantemente substituída por "apego", "carência", "necessidades" ou "aparências". Sim, ate porque a soma dessas mesmas palavras compõe uma receita típica de ciclos a bolonhesa nos dias de hoje.
Embora, na sua busca incessante por manter aquilo que pode ser bonito quando um ponto final chega, naquele caso, ele sentiu culpa. Esse sentimento que foi cultivado irrefutavelmente pelo lado de lá, que sentiu-se no direito crônico de atirar uma pedra. Ele também foi o vilão da história onde o amor fora assassinado cruelmente e fielmente com o abandono, história onde não cabem vilões ou mocinhos, apenas pessoas singulares. E mesmo assim, culpa o seguia, seguiu durante alguns dias que logo se tornaram semanas, longas semanas. Ate uma noite de sábado sem grandes significâncias, o carinho e o respeito foram sacrificados com uma faca afiada de dois lados.
E foi nesse dia, como um amigo perguntara, que a palavra "amor" ( ou "apego") tornou-se mais uma vez e pela primeira vez, um sinônimo de covardia. Decidiu-se então que muitas coisas precisavam ser (
re)vistas. 

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Sobre escuridões.

E aquele quarto que andava escuro viu o primeiro toque...
... e já não estava mais tão escuro.